21.12.10

Ó pastorinha de vitral e bruma




- Como se sente?
uma espera difícil
- a desfazer-me aos bocados
e, palavra de honra, tive gana de ser eu o estudante, rodeado de alicornes a pastarem neve na montanha azul: nesse caso, percebe, podia pegar-lhe na mão, nessa mão que é minha entornava a sua graça sobre mim e partíamos os dois

Linda menina ingénua de Velásquez
A flutuar num mar de seda e renda

Sem tocarmos no chão, desprovidos de peso, no sentido do lugar onde está o seu pai, a sua mãe, os seus manos, tudo aquilo que desejou e não teve, que quis e não lhe foi dado.

Vejo-te assim, ó asa de andorinha,
Com ar de infanta que perdeu a aia
Envolta nessa luz que te acarinha
Na luz que desfalece e que desmaia

António Lobo Antunes - excerto

12.12.10

Manjericão


Pendurar coisas





Hoje sonhei contigo. Não, não enquanto dormia. Mas sonhei contigo. Estavas ca dentro, a percorrer, dedilhar-me as ideias.
Porque é que lá estavas? E eu? Porquê? E porque é que olhaste? Talvez não o devesses ter feito. E agora? Eu sonho contigo.
Está a chover. Ela está a perguntar o que é que vão fazer, os dois, quando não estiver ninguém à volta. Ela só quer saber.
Eu não, eu não preciso que me digas. Para quê perguntar quando já sei o retorno?
Agora? Tenho de ir sonhar? Não, não quero sonhar mais, isso é só pendurar coisas, como que em pinças de roupa.
Não consigo perceber o que dizes. Estás longe demais. Deixa-me em paz. Sim, fala mais alto. Vai-te. Tenho de procurar? Sai do caminho. Onde estás?
Onde estás?
Tirando em minha cabeça. Onde está teu saco de ossos?
Encontrei-te, chegaste, e com as mãos sujas e dedos de criar, acendes-me mais um cigarro.
Inês Vegetal