19.5.13

Balcões


Enche a boca de tremoço, desabotoa o primeiro – ou último se se vir de cabeça nos pés – botão da camisa e apronta-se para mais um fadinho. Fadinho este, repetido há mais de quarenta anos, todos os dias, no mesmo balcão. Dessalga os lábios, com o bagaço que quase foge da embocadura do copo baixo e limpa o suor da testa com o lencinho que a sua falecida mãe lhe bordara no tempo em que só os Senhores tinham carros.
Sendo homem de rotinas, poder-se-ia supor que ele pensasse em coisas de quem se consome em práticas, do tipo “Se tivesse nascido noutro sitio…” ou “Se tivesse mais dinheiro…” ou ainda “Se aquele filho da puta…” e outros mais ses que nos ruminam o pensar.
Mas, como não era filho de Alentejano, como o dinheiro era só trocos para uns cigarros e bagaço, e como todos os filhos da puta já lhe aqueciam a terra há uns bons anos, optava por não pensar.

Inês Vegetal

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